Mariana Campagnoli: Quais características tornam animais frugívoros bons dispersores em uma diversa savana Neotropical? (Portuguese) 

Mariana Campagnoli: Quais características tornam animais frugívoros bons dispersores em uma diversa savana Neotropical? (Portuguese) 

Em nosso último post, Mariana Campagnoli nos dá uma mordida no fascinante sistema de dispersão de frutas para sementes do ecossistema do Cerrado no Brasil. Por meio de seu último artigo “Características de espécies de plantas e frugívoros impulsionam contribuições de frugívoros para a eficácia da dispersão de sementes em uma comunidade hiperdiversa”, Mariana descreve o delicado relacionamento entre frutas e frugívoros e nos lembra de quão importantes são os serviços de dispersão de sementes para muitos ecossistemas (além das ameaças que as mudanças climáticas estão criando)! Além disso, Mariana nos dá ótimos conselhos sobre aprender a simplesmente deixar as coisas acontecerem – seja na pesquisa ou apenas na vida em geral! 

Sobre o artigo 

Nós estudamos o sistema de dispersão de sementes de um dos mais ameaçados e negligenciados ecossistemas brasileiros: o Cerrado, uma savana Neotropical rica em espécies, que provê uma variedade de serviços ecossistêmicos (entre eles, a provisão de água). Nosso principal objetivo com esta pesquisa foi compreender quais características das plantas e frugívoros do Cerrado os tornam parceiros mais eficientes para uma dispersão de sementes bem-sucedida (isto é, quando uma semente dispersa se transforma em uma planta adulta). Enquanto a maior parte das pesquisas existentes assumem que interações entre plantas e frugívoros são uma boa forma de estimar o sucesso na dispersão de sementes, nós queríamos olhar para essas interações em mais detalhes. Ligando diferentes características das plantas e dos frugívoros com estimativas do sucesso na dispersão de sementes, conseguimos entender um pouco melhor quais são as plantas e os frugívoros-chave para a manutenção dos serviços de dispersão de sementes que permitem a regeneração da comunidade vegetal no Cerrado. 

A entrada de uma das nossas parcelas. O Cerrado é um ecossistema comumente dominado por pequenas árvores esparsas, arbustos e gramíneas. É uma savana neotropical e hotspot de biodiversidade, com mais de 4.800 espécies endêmicas de animais e plantas. Crédito: Mariana Campagnoli.

Nosso trabalho de campo envolveu registrar interações entre frugívoros e plantas usando três métodos de amostragem: observações focais, capturas com redes de neblina e vídeos gravados com armadilhas fotográficas. Além de registrar as interações, nós também contamos o número de frutos sendo dispersores durante as visitas dos frugívoros às plantas, e estimamos a qualidade das interações realizando experimentos de germinação com sementes passadas pelo trato digestivo dos frugívoros. Também registramos as características das plantas e frugívoros que possuem um efeito provável sobre as interações de dispersão de sementes. As fenologias de frutos e frugívoros foram registradas mensalmente através da contagem de frutos maduros dentro de 6 parcelas de 100 x 10 m, e a abundância de frugívoros foi registrada através de pontos de escuta (para aves) e registros em armadilhas fotográficas (para mamíferos). Outras características utilizadas foram a largura dos bicos e bocas, o grau de frugivoria e comportamento alimentar dos frugívoros, e o tamanho de frutos e sementes, dados obtidos através de medidas de aves capturadas, frutos e sementes coletadas, e/ou bases de dados. 

Um indivíduo de Sabiá-Barranco (Turdus leucomelas), pego na armadilha fotográfica consumindo as sementes ariladas de uma Siparuna guianensis. O Sabiá-Barranco também é uma das espécies mais comuns e generalistas registradas em nosso estudo. Crédito: Mariana Campagnoli.

Sobre a pesquisa 

O principal resultado encontrado foi que as espécies de frutos e frugívoros mais abundantes ocorrendo simultaneamente no espaço e no tempo foram os parceiros mais importantes para eventos de dispersão de sementes bem-sucedidos. Isso é algo que chama a atenção, já que atualmente estamos enfrentando eventos climáticos extremos devido às mudanças climáticas, e o Cerrado tem enfrentado secas severas e prolongadas. O impacto dessas secas ainda não é bem conhecido, mas sabemos que as mudanças climáticas têm alterado a fenologia de plantas e frugívoros ao redor do mundo, com consequências para as interações entre essas espécies. Dada a importância da sobreposição fenológica para a dispersão de sementes, eventos climáticos extremos podem ocasionar incompatibilidades na fenologia dos frutos e frugívoros, com impactos potenciais sobre interações de dispersão de sementes, e a regeneração das comunidades de plantas do Cerrado. 

Um indivíduo macho de Saíra-amarela, Stilpnia (Tangara) cayana, pego na armadilha fotográfica consumindo frutos de Schefflera vinosa. A Saíra-amarela é uma das espécies mais comuns e generalistas registradas no nosso estudo. Crédito: Mariana Campagnoli.

Acredito que os próximos passos para a pesquisa de ecologia de dispersão de sementes no Cerrado será compreendermos melhor o papel dos diferentes frugívoros no recrutamento de plantas, por exemplo. Também, devemos juntar mais informações sobre o papel dos mamíferos de grande porte na dispersão de frutos grandes e em eventos de dispersão de longa distância, e como isso pode impactar na recolonização de sítios perturbados pelo fogo. Um dos maiores desafios de pesquisadores no Brasil é convencer os tomadores de decisão e instituições governamentais sobre a importância de manter e criar áreas protegidas de Cerrado, como uma forma de preservar interações animal-planta cruciais, permitindo que esse ecossistema prospere e continue provendo serviços ecossistêmicos à população humana. 

Um indivíduo de Cachorro-do-Mato pego na armadilha fotográfica consumindo frutos de Cordiera concolor. O Cachorro-do-Mato é um dos maiores frugívoros registrados durante o nosso estudo, e uma das únicas espécies capazes de consumir os frutos da Cordiera concolor (~20mm). Crédito: Mariana Campagnoli. 

Sobre o(s) autor(es) 

No momento que eu escrevo para o blog, estou a ponto de defender minha tese de doutorado em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Federal de São Carlos, no Brasil. Eu sempre gostei de estar perto da natureza, e soube que queria trabalhar com animais. Eu sei que isso soa um pouco clichê agora, mas essa foi a principal razão pela qual eu comecei o curso de Ciências Biológicas na Universidade de São Paulo, em 2011. Durante a minha graduação, eu comecei minha carreira na pesquisa sob a ótima orientação do pesquisador Alexsander Zamorano Antunes, que me apresentou as principais técnicas de amostragem para registrar aves e interações. 

Meu interesse pela Ecologia aumentou durante meu mestrado, depois de perceber que as interações entre plantas e animais poderiam ser utilizadas como ferramentas para responder diversas perguntas ecológicas interessantes. Ainda hoje eu fico muito animada toda vez que vejo animais consumindo frutos na natureza, e espero que esse sentimento nunca passe. Atualmente, eu estou interessada em me aprofundar no papel de diferentes frugívoros para a dispersão de sementes, compreendendo os resultados de interações planta-frugívoro para o recrutamento de plantas.  

Mariana Campagnoli segurando um indivíduo macho de Soldadinho Antilophia galeata, Pipridae, capturado em uma rede de neblina em julho de 2021. Essa espécie de ave é mais comumente distribuída pelas matas de galeria ao redor de cursos d’água no Cerrado. Crédito: Mariana Campagnoli. 

Esse trabalho não seria o que é, se não fosse por toda a ajuda dos meus atuais orientadores, e coautores, Alexander Christianini e Guadalupe Peralta. Eu me considero sortuda por estar sempre rodeada pelas pessoas mais legais e competentes, que me guiaram através da minha jornada científica até então. Nós três somos de países que já enfrentaram cortes de financiamento à ciência, ocasionalmente sendo necessário aplicar para conseguir recursos financeiros oferecidos por outros países (muito obrigada à Rufford Foundation e à Neotropical Grassland Conservancy pelo auxílio financeiro que nos permitiu comprar equipamentos e financiar as idas a campo). Apesar destes contratempos, fazemos o nosso melhor para continuar produzindo ciência de boa qualidade! Se eu tivesse que dar um conselho à Mariana do passado, diria: você não vai conseguir controlar tudo, nem na pesquisa, nem na vida. Às vezes as coisas saem do nosso controle, e apesar de ser muito frustrante, você precisa aprender a desistir do que não pode controlar, e focar suas energias no que você pode controlar.

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